A versão simples: Faça a coisa certa – trate o outro como você gostaria ser tratado
Já expliquei que Ética-Compliance chegou pra valer. Empresas brasileiras não podem mais deixar de levar ética corporativa a sério. Para a empresa brasileira que fornece ou presta serviços – ou que contrata empresas internacionais, adotar programas de ética e compliance passa a ser algo essencial e necessário para sua continuidade.
Só que ainda falta uma certa clareza sobre o que ética corporativa significa.
Para começar, vamos explorar um conceito base no contexto de um caso real.
Alguns anos atrás, assisti um treinamento num cliente, multinacional dono de usinas de açúcar-etanol. O treinamento era para gerentes e supervisores agrícolas, sobre compliance das leis trabalhistas. A empresa estava sendo bombardeada com ações trabalhistas de trabalhadores de campo, alegando violações tais como falsificações dos cartões de ponto para evitar o pagamento de horas extras. Existia até uma denúncia de trabalho escravo envolvendo trabalhadores de cana terceirizados. Os gestores tinham que sair do canavial para assistir o treinamento que foi dado por um advogado esnobe, vestido de terno e gravata, que mostrava todas as suas qualificações, diplomas e especializações e usava linguagem técnica-jurídica, como se fosse importante para o assunto em questão. A plateia assistiu em silêncio, mostrando respeito pelo advogado que veio de São Paulo e que, pelo currículo extenso, “sabia muito”.
Na verdade, ele sabia muito mesmo, conforme mostrou em uma apresentação em PowerPoint, contundente e clara. E ainda era uma pessoa sincera. Entretanto, ele não conseguiu atravessar a distância entre o palco e a plateia. Não conseguiu transmitir o simples argumento de que falsificar cartões de ponto e não pagar horas trabalhadas era errado. Não somente contra a lei, mas eticamente e moralmente errado. Os trabalhadores mereciam ser pagos pelas horas trabalhadas. Simples assim.
Depois de três horas e meia de “aula”, chegou a vez da gerente de RH fazer um breve discurso para fechar o treinamento. Sugeri que ela comentasse sobre ética. Usei só a palavra “ética”. Não entrei em nenhum detalhe. Assim, ela falou aos gestores que era importante ser ético no trabalho, que precisavam tratar os funcionários como eles gostariam de ser tratados. Para ela, o conceito de ética corporativa se resumia a uma única frase: “Faça com o seu próximo como você gostaria que ele ou ela fizesse com você”.
Eu esperava uma fala mais elaborada. Por um lado, não poderia discordar. Por outro, o conceito de comportamento moral se resume nesta frase quase bíblica. No entanto, ética corporativa e, portanto, Ética-Compliance, é mil vezes mais complexo. Mesmo assim, ela foi convincente. Ela passou o recado. Aliás, passou muito mais em apenas 15 minutos do que o advogado, ao discursar durante longas três horas e meia.
Porque ela conseguiu isto? Porque ela é uma pessoa intrinsecamente correta e ética, de forma evidente. Uma pessoa transparente. Ela transmitia empatia, sinceridade e honestidade. Tanto que logo ganhou a confiança de todos dentro da empresa. Qualquer funcionário ou executivo que tivesse algum problema poderia conversar com ela, pois jamais trairia a sua confiança. Vou mais longe. Era a pessoa mais ética na empresa.
Infelizmente, não obstante que a empresa era subsidiária de um grupo internacional ético, uma verdadeira multinacional do bem, aqui no Brasil alguns cargos altos eram ocupados por pessoas bem diferentes disto: sem nenhuma ética, desonestos, que queriam sempre levar vantagens, mesmo indo contra os interesses do grupo, por que eram amigos de um executivo corporativo do alta escalão do grupo internacional que os protegiam. Havia sido nomeado recentemente um novo Country Manager – CEO do Brasil. Ele era um homem correto, só que precisa conviver e trabalhar com diretores “intocáveis” em posições chaves, cuja atuação “prejudicava os resultados do grupo” – para não dizer incompetentes e corruptos. Assim, foi contratado um grupo de gestores da área agrícola para reverter as perdas. Por um lado, estes gestores trabalharam dia e noite e conseguiram dar uma reviravolta nas plantações de cana. Só que, por outro, acabaram passando por cima das leis trabalhistas.
Ao final do primeiro ano, as consequências desta nova gestão agrícola já apareciam no crescente número de processos e contingências trabalhistas e no tamanho da contingência trabalhista. E qual foi a reação da diretoria local? Todos os gestores agrícolas receberam seus bônus. Porém, o mesmo foi negado à gerente de RH e sua equipe.
Onde eu entrei? Fui contratado para investigar as causas da crescente contingência trabalhista, em particular com relação às manipulações de cartões de ponto, e para identificar os responsáveis. Na verdade, me avisaram informalmente quem seria “a responsável”. Ou seja, esperavam que eu apontasse a gerente de RH como culpada. E, no entanto, era a única profissional totalmente ética e transparente, que tinha conquistado a confiança de todos na empresa.
O fato é que já tinha sido decidido que a gerente de RH, bem como a sua chefe, que era a diretora responsável por esse setor da empresa em todo o país – outra mulher! seriam os “bodes expiatórios”. E meu papel, naquele momento, falado apenas em off, é claro, era para culpá-las de tudo.
Mas, ao contrário disso, investiguei todo o caso e demonstrei claramente que os responsáveis pela situação eram os gestores da área agrícola. Apontei que se a gerente de RH – a profissional mais querida e respeitada da empresa – fosse demitida, iriam transmitir aos funcionários a mensagem errada, de que o comportamento ético e honesto acaba sendo punido, e que, por outro lado, a desonestidade fica com a recompensa.
A empresa sediada no Brasil nunca se recuperou. Dois anos depois, os “intocáveis”, responsáveis pela má gestão na área agrícola, foram demitidos por um novo CEO, de perfil generoso, competente e ético, que conseguiu reverter o estrago causado pelos amigos daquele executivo corporativo de alta escalão após um longo período de quatro anos. Porém, este respeitado profissional acabou sendo vítima de interesses corporativos escusos e também foi dispensado da empresa.
Resultado: a gerente e a diretora de RH saíram de lá com reputação intacta e logo conseguiram bons empregos. O CEO, por sua vez, agora tem cargo de alta confiança num fundo internacional, onde cuida de diversas usinas de açúcar no país. Vale destacar que o fundador desta multinacional enviou-lhe uma mensagem agradecendo por sua lealdade e contribuição e desculpando-se pelo tratamento injusto que havia sofrido.
Moral da história: a ética corporativa é um conceito agregador, que cria e solidifica vínculos entre pessoas e contribui para uma cultura corporativa robusta. Falta de ética corporativa, ao contrário, tem efeito desagregador, causando entropia moral e discordância e, eventualmente, destruição e prejuízo. O papel de Ética-Compliance é reforçar uma cultura corporativa sólida, forte e sustentável. O ditado “Trate o outro como você gostaria de ser tratado” é um dos pontos de partida. Pode-se até dizer que é um denominador comum em vários aspectos da Ética-Compliance. Se as pessoas não agem de acordo, não tem chance. Porém, é só o começo.
Planeje e implemente a ética na sua empresa com profissional que já atua nesta área desde 1998, quando ainda era chamada apenas de “prevenção de crises”. Fale conosco.
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