Muitas vezes as empresas se encontram em situações pelas quais prefeririam jamais ter de passar.
São eventos que ocorrem em qualquer tipo ou tamanho de empresa, mas cujos efeitos mais se notam e mais se tornam perversos nas de médio, grande e muito grande portes. Nelas, ter por exemplo um diretor ou vice-presidente apanhado com a boca na botija – melhor dizendo, com a mão no cofre – pode ser extremamente traumático.
Não só pelo crime corporativo, a quantia de dinheiro ou bens que tal gatuno possa estar subtraindo, mas principalmente porque fraudes corporativas nunca envolvem apenas um sujeito. Faz parte da morfologia das fraudes a composição de uma quadrilha, tanto maior quanto mais estendida for a quantia subtraída. É tocante ver os bons executivos arrancando os cabelos quando deparam com uma situação dessas: não é difícil que um esquema de fraude envolva centenas de milhões de dólares, com desdobramentos criminosos surpreendentes, e se essa informação cai nos ouvidos do mercado… bem, lá se vai o valor das ações, lá se vão empregos e tudo o mais.
Tenho visto, ao longo de 30 anos investigando fraudes financeiras, situações tão dramáticas vividas por companhias honestas que soariam, em papo de bar, como coisa de filme de Hollywood. Infelizmente são coisas que fazem parte da realidade. E, assim, têm de ser tratadas pelas empresas dentro do nível do real, com todas as limitações que isso significa. Na prática, as empresas me contratam ou quando desconfiam que há algo errado ou quando já o sabem da existência dos crimes corporativos mas precisam entender a dimensão do estrago e suas ramificações. Isso significa que não só devo fazer um trabalho de “Sherlock Holmes corporativo”, como certa vez me definiram, mas também limpar o terreno contaminado para que as boas práticas voltem a crescer nele.
Talvez minha prática “clínica” nessa região silenciosa das corporações possa ser útil para equipes, empreendedores e gestores honestos que se veem subitamente engolfados na desconfiança de que algo vai mal em alguma área da empresa na qual trabalham. Embora eu não possa dividir experiências práticas – afinal, meus clientes estão no topo da pirâmide corporativa e naturalmente não querem publicidade –, não é difícil explicar alguns conceitos que me valem ouro durante as investigações, e que podem ser usados para avaliar situações, refletir sobre elas e caminhar na direção de sua resolução.
Uma dessas percepções eu retirei de um paralelo com o “lado obscuro” da vida: o de que toda máfia e todo serviço de inteligência tem uma categoria de profissional conhecido como “limpador”. Não, não é o assassino profissional: é o cara cujo trabalho inclui limpar os restos de todo o tipo de sujeira que aparece na organização ou como resultado dela. Seu trabalho é neutralizar coisas que ameacem a integridade da organização e destruir rastros do que aconteceu, de forma que ela continue operando sem problemas.
Em uma organização criminosa ou mesmo em uma “CIA” da vida esse homem da limpeza por definição não tem escrúpulo nem ética, já que a própria entidade na qual ele se encaixa não professa fé nessas duas qualidades. Trazendo de volta minha digressão ao mundo corporativo, o fato é que nele já existe a figura do “fixer”, do “apagador de incêndios”. Esse é um sujeito que, dependendo da filosofia da empresa ou natureza da questão, resolve o problema imediato com ou sem uso de escrúpulos. Importante aqui é notar a expressão “imediato”. Quer dizer que esse não é o cara que vai buscar entender o que ocorreu e neutralizar as fontes de corrupção ou roubo na empresa – ele vai lá e resolve a ponta incômoda do iceberg.
Eu de fato não sou esse sujeito. No nome da minha empresa há um “sobrenome”, que é Anti-Corruption Adviser, e em alguns materiais nossos se encontra a definição talvez enigmática de que sou um “gestor de situações especiais”. Na verdade, em essência o trabalho que faço é bem definido como “corporate cleaner”, e minha metodologia de trabalho espelha a usada pelos “limpadores” dos serviços de inteligência – embora com o uso irrestrito de ética, senão a coisa não funciona.
A um executivo que se veja envolvido na busca de resolução a uma “situação especial”, como chantagem, roubo ou suborno, sugiro que siga quatro passos básicos que eu mesmo uso em meu dia a dia investigativo:
· avaliar o problema e definir medidas imediatas para conter a situação
· em seguida, entender o problema em detalhes, investigando a fundo tudo que se relaciona a ele – implicações, riscos e consequências de todos os tipos, inclusive aspectos estratégicos e eventuais oportunidades da situação que possam ser exploradas
· criar um plano de ações para neutralizar e resolver o problema de forma ampla, em todas suas ramificações desde os menores pontos
· executar esse plano
Se é um trabalho simples? Não, seguramente não é. Em casos de crimes corporativos, investigações por vezes demoram meses e podem envolver todas as áreas da empresa em busca de minúcias que ajudem a elucidar a tramoia e quem dela participa. O que ocorre quando figurões da mais alta cúpula estão envolvidos? Esse é um dos pontos difíceis, e é inclusive por isso que ética e integridade são os cornerstones do meu trabalho. Sem essa dupla não posso apresentar resultados que vão apontar culpados talvez em áreas sensíveis da companhia.
Mas uma coisa importantíssima do “corporate cleaner” é ter sempre em mente que o objetivo central da investigação é proteger os interesses estratégicos da empresa e mostrar que ela não tolera condutas desonestas. O resto é decorrência
*Advogado pós-graduado em Direito Econômico pela Yale Law School, Mestre em Direito Internacional por Cambridge, Barry Wolfe é diretor da Wolfe Associates (www.wolfe.com.br), consultoria em compliance preventiva, avaliação de riscos e investigação de fraudes corporativas.
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