Na grande maioria casos de corrupção e fraude no setor privado no Brasil, a empresa é lesada por traição de seus próprios executivos.
Entre dezenas de grandes casos que investiguei que envolviam Crime Organizacional, o topo do ranking das falcatruas no setor privado é dominado por esquemas kick-back – o fornecedor “chuta de volta” para o funcionário parte do dinheiro recebido irregularmente. A palavra em português é propina. Nossos cálculos, derivados da prática investigatória, são de que em média uma grande fraude signifique de US$ 100 milhões a US$ 1 bilhão de prejuízo para um banco e de pelo menos US$ 10 milhões para um fabricante ou distribuidor de produtos.
Estes esquemas criminosos corporativos jamais dependem de uma só pessoa. Ao contrário, pressupõem formação de quadrilha. Em termos esquemáticos, implicam em um fornecedor pagando propina para ter seus produtos adquiridos pela empresa – de sistemas de TI a serviços jurídicos, de artigos de limpeza a frotas ou contratos de logística.
Nas empresas financeiras o esquema costuma se dar via concessão de crédito com propina – até 15% do valor retorna ao funcionário do banco que facilitou a operação – ou recuperação de crédito (o devedor “negocia” pagamento extremamente baixo e dá parte ao funcionário). Modalidade mais perversa é a judicial. Nela, o banco é processado e seus advogados aceitam pagar um montante alto ao reclamante, que por sua vez divide o “lucro” com os defensores da instituição financeira.
No caso de produtos a situação é similar. Uma aquisição envolve desde a área que receberá os bens até a de compras, passando pelos setores de análise de crédito, cadastramento, TI, do jurídico para contratos e do financeiro para liberação de fundos.
Do outro lado do balcão, a empresa que vende bens usando propina tampouco pode fazê-lo sem contar com um punhado de gente. A operação abrange ao menos os setores comercial, jurídico, de logística e financeiro – este último é importante, já que dele partem autorizações de repasse da propina em dinheiro.
Quanto mais dinheiro está em jogo mais alto é o nível dos funcionários abrangidos. Com o envolvimento de mais pessoas, em todos os grandes casos de crime organizacional há o surgimento de crimes complementares – de fraudes e corrupção interna a extorsão, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.
Este artigo é uma adaptação de uma matéria que foi publicada no Valor Econômico em 11/06/2014
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