O Escândalo Químico que Tocou as Sombras

Como conduzimos uma investigação multinacional envolvendo fraude, tráfico e risco reputacional — e evitamos que um escândalo global destruísse uma aquisição bilionária

Auditorias tradicionais não detectam riscos humanos e relacionais
Silos corporativos tornam a empresa cega a sinais que equipes internas ignoram — voluntária ou involuntariamente.

Fraudes internas começam pequeno, mas se conectam rápido ao crime organizado
Um esquema de RH pode escalar para cadeias de tráfico, prostituição e lavagem internacional, expondo a companhia a riscos existenciais.

Momentos de M&A amplificam vulnerabilidades
Qualquer escândalo durante uma aquisição hostil pode reduzir o valuation, travar integrações e comprometer o negócio globalmente.

Caso de Estudo: A Multinacional Química e o Risco Invisível

Toda investigação séria começa com uma pergunta simples: Qual é o verdadeiro problema do cliente? Nem sempre é a fraude. Nem sempre é o dinheiro. Na maioria das vezes, é o risco invisível que ninguém quer nomear.

Este caso envolveu uma multinacional química europeia prestes a enfrentar uma aquisição hostil. Um escândalo em qualquer subsidiária — especialmente no Brasil — poderia destruir o negócio. Quando desembarquei no escritório da empresa, no Rio de Janeiro, encontrei um cenário tenso: o diretor global de risco corporativo, auditoria interna confusa e um número que circulava como diagnóstico — US$ 15 milhões desviados.

Só que a fúria do diretor não era pelo rombo. Era pelo que o rombo representava:

  • falhas graves de governança,
  • auditores externos que “não viram nada”,
  • e a real ameaça: o envolvimento de um terceiro conectado a organizações criminosas.

A descoberta do fio condutor

O esquema interno era relativamente simples: funcionários do RH “ressuscitavam” ex-empregados, processavam pagamentos indevidos e dividiam os valores entre o grupo e o terceiro operador.

O que ninguém queria acreditar era o que vinha depois. O terceiro usava os recursos para comprar cocaína de traficantes, abastecer redes de prostituição em boates de Copacabana e distribuir droga para plataformas de petróleo em Macaé. O dinheiro, então, era lavado por meio de um banco suíço, já em valores muito superiores ao desviado.

De repente, não estávamos mais diante de uma fraude interna.
Estávamos diante de um risco criminal sistêmico, com ramificações internacionais e potencial para devastar a reputação da companhia.

O conselho local queria polícia. Eu não.

O escritório jurídico contratado pela multinacional insistia no protocolo clássico:

  • registrar ocorrência,
  • acionar autoridades,
  • mover processos.

Era um erro. E grave.

O terceiro — o operador do esquema — conhecia traficantes. Traficantes conheciam ele. Qualquer movimento policial significava risco de assassinato, delação, manchetes, escândalo e contaminação direta da aquisição em andamento.

Nessa hora, fazer “o certo” não é seguir o manual.
É seguir a melhor estratégia.

A decisão em Copenhagen

Levei o caso diretamente ao conselho na Dinamarca.
Não para apresentar mais evidências — mas para redefinir o rumo.

Expliquei com clareza:

  • O dinheiro recuperável viria dos envolvidos internos.
  • O seguro cobriria o restante.
  • O que fosse perdido estava perdido.
  • Acionar polícia era abrir a porta para um desastre global.

E, sobretudo:
Era necessário limpar a empresa inteira — não só os culpados diretos, mas todos que, por função ou omissão, deveriam ter visto e não viram. Negligência também corrói cultura.

Quando terminei, houve silêncio.
Depois, o presidente do conselho respirou fundo e disse:
“Graças a Deus. Finalmente alguém nos dizendo o que realmente precisamos fazer.”

O desfecho

A direção aprovou a estratégia.
A empresa foi saneada.
Governança reconstruída.
Riscos eliminados.
Aquisição preservada.

E, o mais importante:
Sem escândalo. Sem manchete. Sem destruição de valor.